FIAPO
Desde o dia em que conseguiu se encarapitar no muro alto da casa da dona Gina, Fiapo, o gato da vizinha, não faltou um dia sequer para ganhar uma tigela de leite todas as manhãs.
Com chuva, sol ou vento, Fiapo era certeiro e rente que nem pão quente no seu ponto habitual, à espera da tigela. Quando ventava forte, Fiapo, ainda novo e magrinho, balançava no muro, balançava, mas não caía. Valia a pena esperar. O leite chegava na hora certa, grosso e quente.
Com o passar do tempo, foram notando que o vento começava a perder a luta. Fiapo, mais gordinho e forte, não balançava tanto. A Culpa era do leite da dona Gina.
Um dia, porém, Fiapo não apareceu. D. Gina, bocejando, sonolenta, chamou por ele uma, duas, várias vezes. Nada.
De repente gritam no seu portão:
-“Ó dona Gina, venha ver! Envenenaram o Fiapo!”
D. Gina larga o avental, leva as mãos à cabeça, o coque se desfaz. Corre a ver o que se passa. No terreno baldio, jazia Fiapo.
Moradores se dividiam nas opiniões:
-“Morreu, não morreu, tem jeito, não tem, já é tarde, não é!”
Da boca de Fiapo uma espuma branca escorria, mas não era leite. Seu corpo estava inerte e frio, mas… D. Gina descobriu nele, leve tremor e, recompodo-se do choque inicial se refaz e grita:
-“Enquanto há vida, há esperança!”
E, unindo as palavras ao ato, apesar dos muitos protestos, desceu correndo a rua, esbaforida por cima dos chinelos velhos, carregando, com seus muitos quilos a esperança de que não fosse tarde demais.
Quando, afinal encontra um táxi, não consegue falar, tal o sufoco. Só gesticula e se abana, por causa do calor. Felizmente, o motorista estupefato, traduzindo toda aquela histeria, se dispõe a levar Fiapo ao veterinário.
Lá chegando, outro drama.
Ninguém encontra a veia de Fiapo, um fiapo, também, a essa altura.
Espeta aqui, espeta ali e o coração de D. Gina é que geme a cada espetada. Fiapo, não. Estava vivo, mas ausente. Trazem uma lâmpada forte e encontra-se, por fim, a bendita veia.
Expectativas, preces, lamentações, esperanças, agonia.
D.Gina era a imagem descabelada da desolação. De repente, o corpo gelado de Fiapo se aquece, devagarinho e o calor se transfere ao coração de D. Gina. Os olhos de Fiapo se encontram com os dela e, nesse minuto de silencio, o que os dois falaram sem palavras, só DEUS soube.
O que o bairro inteiro ficou sabendo é que, depois que saiu dessa, Fiapo engordou, engordou e de Fiapo ficou mesmo só o nome. Atravessava a rua, todas as noites, para os vários namoros.
-“Foi o soro do veterinário”, diziam.
Com o tempo, nas casas vizinhas, começaram a aparecer os frutos das paqueras. Eram miados de gatinhos pra todo o lado, filhos de Fiapo, com a mesma cara robusta e saudável do pai.
Até que um dia, alguém que não gostava de gatos, muito menos de reprodutores de gatos, envenenou Fiapo, aproveitando uma viagem de d. Gina. Fiapo morreu e, quando D. Gina voltou e soube, culpou-se por não estar presente e salvá-lo de novo. Era tarde.
Porém, agora, são tantas tigelas de leite em cima do muro, que D. Gina não tem mais tempo de chorar. Tem mais é que alimentar os órfãos de Fiapo que não param de chegar.